Conselho Regional de Farmácia

De Mato Grosso do Sul

Laboratórios promovem o governo a consumidor estratégico

Compras do Estado já respondem por 20% da receita da indústria farmacêutica e só tendem a subir com avanço de tratamentos de alta complexidade que exigem mais investimento em novas drogas. As compras públicas de medicamentos representam 20% dos R$ 30 bilhões anuais de faturamento da indústria farmacêutica brasileira. Mas quando se olha para a relação de produtos de alta complexidade, como os destinados para oncologia, AIDS, tuberculose, hepatite, produtos para hemofilia, hanseníase, alzheimer e esquizofrenia, o governo é o único, ou quase único, comprador. Segundo o consultor Sálvio Di Girólamo, da consultoria especializada em indústria farmacêutica Backup, as vendas para o poder público devem ganhar, cada vez mais, importância nas estratégias das empresas do setor. O motivo é simples. é no grupo de medicamentos de alta complexidade que se concentram a maioria dos produtos inovadores. E, para se diferenciar no mercado e fugir da concorrência dos produtos genéricos, é preciso inovar. "Para as indústrias cuja estratégia é investir em pesquisa e desenvolvimento, o cliente em foco é o governo", diz o consultor. Queda de braço - Governo e iniciativa privada, porém, travam um eterno braço de ferro em relação à compra de medicamentos. De um lado, o poder público, dono de um orçamento limitado, busca negociar preços, ameaça quebrar patentes e investe em produção própria para restringir seus gastos. Muitas vezes também limita a atualização de sua lista de compras com o objetivo de retardar os gastos decorrentes da incorporação de novos e mais caros produtos. Do outro lado, está a indústria que realiza investimentos pesados para o desenvolvimento de novas drogas (o custo médio é de US$ 1 bilhão por molécula bem sucedida) e quer ser remunerada pelo seu esforço. Mas nem sempre sabem os critérios que levam seus produtos a ser aceitos ou recusados na lista de compras oficiais. Planejamento impossível - "Hoje trabalhamos de forma cega. Nosso foco de pesquisa mundial são os produtos de alta complexidade. Mas, no Brasil, não temos como avaliar se governo irá comprar nossos produtos e quando. é impossível planejar assim", diz João Sanches, diretor de acesso ao mercado da MSD, empresa que obtém 25% de seu faturamento no país com vendas públicas. Para Sanches, uma forma mais adequada de aquisições públicas é pelo método de reembolso, como ocorre emvários países da Europa. "O cidadão, orientado por seu médico, adquire o medicamento indicado para seu tratamento e o Estado lhe devolve os recursos", diz o executivo. Na visão do governo, porém, este mecanismo encarece a compra. A centralização das encomendas na mão do poder público, como ocorre no Brasil, traz o benefício negocial da compra em escala, informa Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos do Ministério da Saúde. Christina Matteucci, diretora de acesso ao mercado da Novartis, avalia que o governo tem trabalhado para incorporar novas drogas e tecnologias nas listas de medicamentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, mas falta rapidez na atualização das listas e transparência nas decisões. Para ela, o governo deveria tomar decisões com base em evidências científicas e farmacoeconômicas, ou seja, avaliando o custo benefício da incorporação de uma nova droga. Matteucci cita como exemplo a incorporação de medicamentos anti-retrovirais de última geração no programa de combate à AIDS. Os medicamentos eram mais caros, mas reduziram em 50% a mortalidade em decorrência da doença e gerou uma economia de US$ 2 bilhões aos cofres públicos entre 1997 e 2001 com a não internação de portadores do vírus HIV. Apesar da difícil relação entre governo e empresas, é cada vez maior o número de indústrias farmacêuticas que valorizam o setor público em suas estratégias. é o caso da Boehringer Ingelheim, que está investindo no desenvolvimento de produtos para o combate ao câncer, da Moksha8, que prepara uma linha de medicamentos biológicos cujo alvo é as vendas públicas e da Nycomed, conhecida pela produção da neosaldina, que escolheu as vendas para hospitais e governos como estratégia de crescimento. "Quando o produto entra na lista do governo, a venda é garantida. Já o cidadão deixa de comprar por falta de recursos", diz Luiz Violland, presidente da companhia no país. GOVERNO X INDÚSTRIA 1. Poder público é o principal comprador - O governo responde por 20% das compras de medicamentos. Mas em uma série de especialidades médicas, como os destinados para oncologia, aids, tuberculose, hepatite, produtos para hemofilia, hanseníase, alzheimer e esquizofrenia, é o único, ou principal comprador. 2. Modelo de negócio das indústrias - Para as indústrias que investem em inovação e desenvolvimento de produtos de alta complexidade o foco é vender para o governo. Mas nem sempre estas empresas têm acesso aos critérios que levam seus produtos a ser aceitos ou recusados na lista de compras oficiais. 3. Venda garantida à esfera governamental - Para a indústria, colocar seus produtos na lista de compras do governo é garantir um mecanismo de financiamento de suas vendas. O cidadão comum, mesmo com a receita médica em mãos, deixa de comprar por falta de recursos. Já a venda para o governo é garantida.