Apesar dos avanços, ainda faltam recursos para a saúde no Brasil
Quem analisa a evolução dos gastos com ações e serviços de saúde no país nos últimos oito anos pode chegar à conclusão de que não procedem as queixas relacionadas à falta de recursos para o setor. Afinal, entre 2000 e 2008, somadas as três esferas de governo, as despesas com o Sistema Único de Saúde (SUS) tiveram um crescimento real de 80%, saltando de R$ 58,81 bilhões para R$ 106 bilhões. "Consolidando as três instâncias, talvez nenhuma outra área social tenha agregado mais recursos no período", afirma Sergio Piola, coordenador da área de saúde da diretoria de estudos sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
De fato, mesmo como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), os avanços não deixam de ser relevantes, já que as despesas públicas com a saúde saíram de 2,89% em 2000 para 3,67% em 2008, último ano para o qual existem estatísticas consolidadas até o momento, diz Piola. O gasto per capita, na mesma linha, avançou 61,5%, também em valores atualizados até 2008, de R$ 346,19 para R$ 559,02.
Esse conjunto de indicadores, no entanto, não resiste a uma comparação internacional. Para não prevalecer a falsa impressão de que o SUS teria recursos de sobra, diz o pesquisador, "é útil fazer comparação com outros países com sistemas similares". Com base em dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), consolidados na publicação World Health Statistics, Piola aponta que a Espanha, país com a menor despesa per capita na amostra selecionada, gasta em saúde, incluindo desembolsos públicos e privados, três vezes mais do que o Brasil. Apenas o setor público espanhol destina cinco vezes e meia mais recursos do que o brasileiro.
Por aqui, a saúde responde por uma fatia de 5,4% das despesas totais do setor público, diante de uma participação entre 15,6% e 19,5% nos países que adotam sistemas que oferecem cobertura universal à população. Adicionalmente, a participação dos governos é mais expressiva nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde as fontes públicas de financiamento do setor representam entre 67,5% (caso da Austrália) a 84,1% (na Noruega) da despesa total em saúde, com média de 70%. No Brasil, lembra Piola, as fontes públicas de recursos correspondem a 41,6% dos gastos. "Possivelmente, o Brasil é o único país com sistema universal de saúde, ao menos do ponto de vista legal, onde o gasto privado é maior do que o público."
Para o especialista, essa baixa participação do setor público torna "absolutamente impossível garantir serviços integrais de boa qualidade". Não há mágica para consolidar a universalização do SUS e melhorar sua qualidade, diz Piola, a não ser com a injeção de mais recursos. Ganhos de eficiência são sempre possíveis e desejáveis, até porque "são muitos os exemplos de desperdícios e falta de gestão mais eficiente."
No entanto, prossegue o pesquisador do Ipea, seria "ingenuidade ou falsidade supor que a universalidade, a integralidade e qualidade na atenção à saúde" possam ser alcançadas apenas com ganhos de eficiência no uso dos recursos atualmente disponíveis. Em 2008, insiste Piola, os governos federal, estaduais e municipais desembolsaram o equivalente a 3,67% do PIB em ações e serviços públicos na área da saúde, num avanço evidente em relação aos 2,89% gastos em 2000, mas claramente inferior à despesa média de 6,5% do PIB realizada por países com sistemas de acesso universal.
Para demonstrar a insuficiência de recursos para o setor, no Brasil, Piola recorre a outro conjunto de indicadores, incluindo o setor de saúde suplementar (planos e seguros de saúde). Em 2006, o gasto corrente per capita do SUS havia sido de R$ 451, destinados ao custeio do sistema e ao atendimento integral de 186 milhões de brasileiros. Desse total, cerca de 37 milhões de pessoas faziam parte das carteiras de empresas de seguro e de planos de saúde. "Excluindo-se essa população, a disponibilidade per capita de recursos no SUS subiria para R$ 562, valor inferior aos recursos disponíveis para o segmento de planos e seguros privados de saúde no mesmo ano, que foi de R$ 1.131 por beneficiário (ou duas vezes mais)."
O pesquisador considera complicado desenhar estimativas sobre a necessidade de recursos para o SUS, diante do tamanho da demanda reprimida nesta área. "Alguns especialistas afirmam que, no curto prazo, só para atender às necessidades mais prementes, o sistema precisaria de um acréscimo de uns R$ 10 bilhões."