Casos de intoxicações por medicamentos crescem 80% em oito anos
Impulsionada pela ausência de uma política rígida de fiscalização, a ingestão descontrolada de remédios avança no Brasil desde o final da década de 90. Em apenas oito anos, o número de intoxicações cresceu cerca de 80%. Quase metade dos casos registrados é provocada de forma intencional, na tentativa de interromper a vida.
Em 2007, o Sinitox (Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas), órgão ligado ao Ministério da Saúde onde são concentrados os dados nacionais, registrou 35 mil casos de intoxicação por medicamentos - 91 deles com morte. Quando a instituição começou a elaborar a estatística, em 1999, contabilizou 20 mil ocorrências, com 60 óbitos. O levantamento de 2008 ainda não foi concluído.
Além do aumento real das intoxicações por remédios, a profissionalização dos centros de coleta de dados nos últimos oito anos contribui para o crescimento de casos nas estatísticas, de acordo com o Sinitox. "Há um acréscimo de casos, sem dúvida. No entanto, não podemos esquecer que o levantamento de hoje é bem mais completo do que o realizado em 1999 ou 2000", observa a coordenadora do centro, Rosany Bochner.
Contudo, como parte dos casos sequer chega aos hospitais ou recebe inicialmente outro diagnóstico, o número real de intoxicações é superior ao revelado pelas estatísticas. "Na verdade, esse dado é infinitamente maior, tanto que sequer conseguimos estipular o número real. Até porque a ocorrência por remédio é o único tipo de intoxicação que qualquer médico consegue diagnosticar, sem necessidade de recorrer a um pronto-socorro", explica a pesquisadora.
Tentativas de suicídio e acidentes lideram intoxicações
No século XVI, ao declarar que "a distância entre remédio e veneno é somente a dose" - frase ainda reproduzida por toxicologistas e farmacêuticos -, o médico suíço conhecido como Paracelso alertava para o uso inadequado dos medicamentos. Atualmente, segundo dados de 2007 do Sinitox, 45% de incidências de intoxicação por remédios são intencionais.
Nos últimos oito anos, o número de casos relacionados com tentativas de suicídios aumentou em quase 10 mil. Enquanto em 1999 cerca de 35% das intoxicações eram intencionais, em 2007 o percentual passou para 44%. Conforme o Sistema Nacional de Informações, a maior parte dos pacientes é mulher, com idade entre 21 e 40 anos.
Toxicologista e chefe de plantão do Hospital Pronto-Socorro (HPS), em Porto Alegre (RS), o médico José Pedroso aponta os antidepressivos e calmantes como as principais substâncias ingeridas por quem busca o suicídio. "Envergonhadas, essas pessoas chegam à emergência e alegam que foi acidente, mas um familiar ou amigo logo desmente", conta.
Segundo fator com mais incidência entre intoxicações por medicamentos, os acidentes representam 30% dos casos e vitimam principalmente crianças entre 1 e 5 anos. Ingerido para aliviar dores, os analgésicos - remédio presente em praticamente todos os domicílios brasileiros - são as principais substâncias consumidas nessas intoxicações não-intencionais, de acordo com as redes de informações do Sinitox.
Contrária ao armazenamento de medicamentos fora de uso, a pesquisadora Rosany estima que 16% das mortes por intoxicação são causadas a partir de acidentes. "Essas são aquelas ocorrências em que a mãe esquece o remédio em local de fácil acesso e o filho ingere. Isso só acontece porque muitas pessoas desconhecem noções mínimas de prevenção, especialmente quando há filhos pequenos em casa", afirma.
Os demais tipos de intoxicação se dividem entre abusos - ingestão de remédio em busca por algum tipo de prazer -, erros de administração - o paciente não entende a prescrição do médico - e terapêutico - a pessoa sofre uma reação adversa ao medicamento, além de abstinência - o organismo está viciado e reage em caso de falta da substância.