Estudo revela que fluoxetina é mal usada em fórmulas para emagrecer
A fluoxetina, princípio ativo de antidepressivos como o Prozac, vem sendo utilizada de forma inadequada em fórmulas para emagrecer. O dado é de um levantamento feito pelo Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) que avaliou 39.782 receitas especiais em Santo André, na Grande São Paulo. Dessas, 10.919 continham esse princípio ativo. Os resultados estão publicados na edição mais recente do "Jornal Brasileiro de Psiquiatria".
Em praticamente todas as prescrições manipuladas em farmácias (identificadas como magistrais ou de manipulação), a fluoxetina estava associada a outras substâncias normalmente indicadas para induzir a anorexia e promover a perda de peso. As mais frequentes foram benzodiazepínicos (presentes em 62,5% das receitas) e anfetaminas (em 45,8% delas).
As chamadas receitas especiais se referem às 175 substâncias de venda controlada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que ficam retidas nos estabelecimentos.
Nas receitas avaliadas, os autores encontraram associações de fluoxetina com, em média, de quatro a sete substâncias. Mas em um dos casos havia 22 componentes. Quase 80% das receitas eram destinadas a mulheres, segundo o estudo.
"Esse tipo de prescrição múltipla é compatível com as fórmulas usadas para emagrecer", explica o psicólogo Vilmar Ezequiel dos Santos, um dos responsáveis pela pesquisa. "Resultados de outros estudos feitos em outras cidades brasileiras levam a crer que o cenário é similar no resto do país."
Inibição de apetite
Dados da ONU revelam que o Brasil está entre os maiores consumidores mundiais de drogas para inibir o apetite. Em 2007, o país estava no topo do ranking, ao lado da Argentina e dos Estados Unidos.
Segundo o endocrinologista Bruno Geloneze, vice-presidente do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a fluoxetina nunca deve ser combinada a outras drogas em fórmulas -independentemente da finalidade terapêutica.
Essa associação é mais arriscada quando inclui fármacos que, como a fluoxetina, agem no sistema nervoso central. É o caso dos derivados de anfetaminas e benzodiazepínicos.
"Essa interação pode levar a um aumento dos efeitos", diz o psiquiatra Adriano Segal, diretor de psiquiatria e transtornos alimentares da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica). Em combinação com benzodiazepínicos, por exemplo, pode haver aumento da sedação, o que compromete os reflexos. No caso da associação com anfetaminas, pode desencadear crises psiquiátricas.
Se a associação da fluoxetina é feita com agentes de ação não-central (como diuréticos, laxantes, fibras ou fitoterápicos), também comum nas receitas avaliadas, o risco é menor. "Mas ainda assim não há justificativa" , diz Geloneze.
Sabe-se que a fluoxetina pode ser usada em algumas situações para pacientes que precisam perder peso. Estudos recentes apontam benefícios em indivíduos com compulsão alimentar e nos que ganharam peso usando antipsicóticos.
No entanto, ela é considerada um medicamento de segunda escolha quando a finalidade é emagrecimento. Seu uso tem que ser bem indicado e o paciente não pode ter contraindicações psiquiátricas.
"Todas as medicações para emagrecer podem ser usadas de forma coerente e responsável ou de forma inadequada", afirma Márcio Mancini, presidente da Abeso. "O uso desses coquetéis [que combinam a fluoxetina] é má prática."
Outro dado que chama a atenção é o grande número de receitas encontradas no levantamento contendo a fluoxetina. Pouco mais de um quarto das prescrições continham a substância, independentemente de ela estar associada a outras.
De acordo com o endocrinologista Bruno Geloneze, esse resultado pode ser considerado um indício do abuso desse medicamento. "Grande parte das receitas para emagrecer são feitas para quem não precisa."