Farmacêuticos comentam o posicionamento da Associação Médica Brasileira (AMB) pelo banimento de remédios sem eficácia contra a Covid-19 no Brasil
A Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou um boletim, na última terça-feira (23), desaconselhando e condenando entre outros pontos, o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19. Sob nova presidência, a AMB agora defende que os remédios sem eficácia sejam melhor conduzidos na avaliação médica.
Para a Dra Melissa da Cruz Penha, integrante do Grupo Técnico de Trabalho de Farmácia Hospitalar e Oncologia do CRF/MS, vivemos uma situação extraordinária que levou ao colapso o sistema de saúde, por isso, “na tentativa de frear essa situação, a divulgação de estudos mal conduzidos junto com a ausência de conhecimento técnico científico para avaliação das publicações e a pressão pública contribuíram para prescrição e indicação de uso de medicamentos sem eficácia comprovada até o momento. E embora inúmeros estudos (bem delineados e conduzidos) tenham sido publicados demonstrando a ineficácia desses medicamentos, os mesmos continuam a ser indicados”.
Para ela “a não prescrição do uso de cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, nitazoxanida, colchicina e outros, já deveriam ter ocorrido. Nos próximos meses, e talvez anos, iremos "colher" os efeitos colaterais do uso indiscriminado desses medicamentos, assim como a automedicação sem acompanhamento sem a devida assistência médica farmacêutica. Quanto ao uso de corticoides e anticoagulantes em casos leves de COVID, a linha de raciocínio a ser seguida é a mesma. Não há evidência científica que o uso em casos leves traga benefícios, no entanto vemos pessoas fazendo uso em casa de corticoides e anticoagulantes”, esclarece.
“A indicação de uso de medicamentos deve seguir rigorosamente sua indicação em bula ou em caso de uso off label que venha acompanhado mais criterioso da assistência médica e farmacêutica. O mau uso ou uso contraindicado de medicamentos, muitas vezes por automedicação, pode causar uma cascata de eventos adversos temporários e até mesmo permanente. É necessária a formulação urgente de um protocolo que sirva de guia para a indicação de uso de medicamentos e que o mesmo seja atualizado periodicamente conforme novos estudos são publicados. Vale ressaltar que protocolo deve vir embasado em artigos científicos publicados de alto rigor e qualidade cientifica”, conclui.
Riscos do uso indiscriminado e de intoxicações medicamentosas:
Segundo o Assessor Técnico do CRF/MS, Adam Adami, enquanto a venda de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid dispara, começam a vir a tona casos de intoxicação e de reações adversas graves.
Atualmente estão em investigação em Estados como São Paulo, casos de pacientes pós-covid com quadro de hepatite tóxico-medicamentosa relacionada ao uso do "Kit Covid".
Diagnosticado com a Covid-19 há cerca de três meses, um paciente paulistano, praticante regular de esporte e sem histórico de outras doenças, apresentou quadro de hepatite tóxica pós-Covid apresentando pele e olhos amarelados, destruição dos dutos biliares e indicação de transplante hepático um mês após utilizar ivermectina, hidroxicloroquina e azitromicina, além de zinco e vitamina D, sob prescrição médica.
E o mais preocupante é o aumento no número de casos de intoxicações hepáticas. Até a semana passada, tínhamos conhecimento de apenas um caso. Nesta semana, há mais quatro casos em investigação. Essa associação de medicamentos presentes nos Kits Covid não é reconhecido ou mesmo aconselhado por entidades como a Associação Médica Brasileira, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC).
Como todos sabemos, o uso indiscriminado e sem acompanhamento médico de medicamentos que carecem de comprovação científica contra a Covid-19 é motivo de preocupação, já que os medicamentos do Kit usado no chamado tratamento precoce, podem se tornar tóxicos para os pacientes quando usados inadequamente, sem acompanhamento médico, em doses elevadas ou por períodos prolongados.
Pesquisas tem demonstrado que na fase atual da pandemia, 80% dos pacientes internados na UTI tem evoluído para óbito, quando o usual era de 20 a 50%, dependendo da faixa etária do paciente.
Um estudo desenvolvido pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (SES/SP) em parceria com o Centro de Contingência do Coronavírus, identificou que o tempo médio para óbito de pacientes com Covid-19 internados em UTI no estado de SP caiu quase quatro dias no último trimestre, o equivalente a uma queda de 24,1%. De acordo com os dados, nos três primeiros meses de 2021, um paciente levava cerca de 14,1 dias para morrer de Covid-19, agora o tempo estimado para que uma pessoa venha a óbito depois de dar entrada na UTI caiu para 10,7 dias.
“Será que o aumento da mortalidade, relacionada a infecção pela variante P1 do coronavírus, aparentemente mais agressiva, não está associada ao uso inadequado ou irracional de medicamentos?”.