» Inca muda posição sobre próstata
O Inca (Instituto Nacional de Câncer) voltou atrás na decisão de desaconselhar os exames de toque retal e de dosagem de PSA como rotina para diagnóstico precoce de câncer de próstata. De acordo com Luiz Antônio Santini, diretor-geral da instituição, a nota divulgada no dia 14 de novembro desaconselhando os dois exames como rotina e os recomendando apenas para quem já apresenta sintomas da doença ou tem histórico familiar estava errada.
A orientação foi criticada por urologistas e pela Sociedade Brasileira de Urologia, que disse que "esperar a ocorrência de sintomas para procurar cuidados médicos pode fazer com que o câncer de próstata esteja em estágio avançado, com impossibilidade de cura".
Santini disse que o Inca não é contrário aos exames rotineiros. "A nota foi um erro. Tenho absoluta consciência do estrago que aquela afirmação causou à população em geral. Aquele não é o pensamento do Inca."
De acordo com Santini, a nota surgiu de uma "má interpretação" de uma discussão técnica e científica a respeito da importância do rastreamento populacional para detecção precoce do câncer de próstata e a redução da mortalidade.
"Uma coisa é você dizer que, como política de saúde pública, o rastreamento não se aplica porque não está comprovada a redução da mortalidade. Outra coisa é tirar uma conclusão precipitada e afirmar que, por causa disso, os exames não são mais indicados", afirmou.
Santini acrescentou também que nunca foi política do Inca desaconselhar nenhum tipo de exame preventivo. "É evidente que desaconselhar os homens a fazer o exame preventivo vai desestimulá-los a procurar o médico espontaneamente. Os homens devem continuar fazendo o exame de rotina periodicamente. Essa é a recomendação médica atual", disse.
Rastreamento
Santini reafirma, no entanto, que o Inca não recomenda o reastreamento dos pacientes, como forma de política de saúde pública. "O rastreamento acontece quando você convoca todos os homens a comparecer ao posto de saúde para fazer o exame. É como um mutirão. Isso não vamos fazer."
O diretor-geral disse ainda que a obrigação do Inca é garantir o acesso de todos os pacientes ao médico, aos exames e ao tratamento, independente do diagnóstico da doença.
"A partir do diagnóstico, a decisão de fazer ou não o tratamento deve ser tomada entre médico e paciente. Não cabe ao Inca proibir isso", declarou.
Estados Unidos
Alinhada com o primeiro comunicado divulgado pela instituição brasileira, a American Cancer Society (principal organização não-governamental de combate ao câncer nos Estados Unidos) deve mudar, nos próximos dois anos, sua recomendação no sentido de diminuir a quantidade de exames para detecção precoce de tumores.
Segundo Alessandra Durstine, diretora da entidade para a América Latina, os exames, feitos aos milhares nos EUA, identificam muitos tumores que nunca seriam diagnosticados e com os quais as pessoas viveriam muitos anos.
"O teste detecta o tumor, mas não se sabe se ele é maligno", disse Durstine à Folha, em encontro com jornalistas no México. "E, quando descobre que tem um câncer, o paciente quer ser tratado, muitas vezes com procedimentos invasivos."
Diagnóstico precoce
Dados de 2000 a 2006 do Hospital A.C. Camargo mostram que a detecção dos casos de câncer de próstata tem ocorrido de forma cada vez mais precoce e que o número de mortes causadas pela doença tem caído. O levantamento foi feito a pedido da Folha.
O oncologista Gustavo Cardoso Guimarães, especialista em câncer urológico no hospital, ressalta que os dados não podem ser extrapolados para a população geral, mas condizem com o que os profissionais observam na prática. "Estamos operando mais homens na faixa dos 50 a 60 anos e diminuindo a mortalidade", afirma. "Há claramente uma vantagem no diagnóstico precoce."
Em 2000, foram registrados no hospital 157 novos casos, dos quais quase um terço (50) já estavam num estágio avançado da doença. Em 2006, dos 256 casos, um quinto (53) estava numa fase avançada. A mortalidade passou de 16 casos, em 2000, para dois, em 2006.
Guimarães pondera que dados que relacionem o rastreamento populacional a uma queda na mortalidade por câncer de próstata são realmente inconclusivos. Ele cita um estudo divulgado em agosto no "Annals of Internal Medicine" -os pesquisadores identificaram 390 artigos potencialmente relevantes na área, mas constataram que apenas três atendiam aos critérios necessários. Com base nisso, concluíram que não há dados suficientes nem a favor nem contra o rastreamento.
Entretanto, diz Guimarães, já foi constatado que a mortalidade decorrente da doença tem caído nos EUA desde a metade dos anos 1990 -a dosagem de PSA começou a ser feita no meio da década de 80. "Não podemos dizer que isso é fruto só do diagnóstico precoce, já que, nesse período, também houve uma melhora dos métodos terapêuticos", diz.