Leia o artigo do presidente do CFF: Sua excelência, o ensino farmacêutico
Quando assumi a direção do Conselho Federal de Farmácia, havia um grande descompasso entre o mesmo e as instituições de ensino farmacêutico. Essa lacuna gritante trazia prejuízos no ensino em relação à sociedade, o mercado e o sistema de saúde.
A demanda de serviços de saúde gerada pela sociedade aumentava e se diversificava na mesma velocidade; o mercado, muito mais competitivo, experimentava uma fase de expansão e modernidade, graças à tecnologia posta à sua disposição; e o sistema público de saúde mergulhava numa luta para fazer valer o princípio da universalidade no acesso aos serviços, consagrados pela Constituição Federal de 1988.
Por outro lado, o serviço privado de saúde, não menos exigente e competitivo, necessita de enxugar os seus custos e racionalizar o uso de produtos como o medicamento. O uso inadequado desse produto deriva em problemas de saúde, hospitalizações evitáveis e consequentes prejuízos.
Ora, quem era – e onde estava – o profissional a quem cabia tomar a dianteira e assumir a responsabilidade diante desses desafios? Era o farmacêutico, obviamente. Mas o ensino que o formava precisava sofrer profunda atualização, se quisesse colocar, no mercado, profissionais qualificados, técnica e cientificamente, além de dotá-los de conhecimento humanísticos e de consciência social.
O ensino, então, estava engessado, amarrado a um tecnicismo arcaico e, de certa forma, improdutivo, se pensarmos no atendimento das novas necessidades. Estavam prestes a ser aprovadas as diretrizes curriculares com a formação de três carreiras, dividindo a profissão em três profissionais distintos. Foi nessa oportunidade que nós intervimos junto ao Conselho Nacional de Educação, em uma audiência pública, impedindo a aprovação daquelas diretrizes, o que seria um grande erro. A falta de um norte era tão evidente, que havia curso com carga horária em torno de 2.200 horas/aula e outros, com cerca de 5.000 horas/aula.
Todos os envolvidos com o ensino (professores, coordenadores de curso, estudantes de Farmácia e especialistas) queriam mudanças, mas não sabiam como materializá-las, não encontravam um canal que desse fluidez ao processo transformador.
Então, consegui reunir, em Brasília, grandes excelências do ensino farmacêutico, em torno de uma discussão sobre a necessidade de empreender as mudanças. Elas resultaram nas atuais diretrizes que, entre outras determinações, implantou a formação generalista, ou seja, modificou o sistema tecnicista em um mais humanista, que formasse o profissional para todas as atividades, e não somente para as análises clínicas, preferidas pelos estudantes.
Aceitas as diretrizes pelo MEC, passamos a discuti-las em várias conferências de ensino farmacêutico, em Brasília, até a publicação de todo o conteúdo programático para a formação do farmacêutico, que culminou com o aumento da carga horária para 4.000 horas relógio (4.800 horas/aula), e cinco anos de curso. Ressalto que a nova carga horária foi, também, uma proposta do Conselho Federal de Farmácia, aceita e publicada pelo MEC.
Há dois meses, assinamos com o Ministério da Educação uma parceria pela qual o CFF fará as inspeções e avaliações da qualidade do ensino farmacêutico. Para isso, o Conselho, por intermédio de suas comissões especialistas, terá de analisar todos os cursos existentes e os que forem criados, com o objetivo de checar a qualidade de cada um; verificar o registro do profissional, sua inserção e ingresso no mercado, quando habilitados, para que estejam exercendo e atendendo à demanda existente; observar a respeitabilidade e credibilidade da instituição pela comunidade, pois não adianta existir vários cursos que nada possam acrescentar à sociedade. Eles são parte de um contexto social e, por conseguinte, precisam contribuir com algo.
O curso tem que ter um alto grau de relevância social que possa causar impacto para que, com isto, não fique com vagas ociosas e, ainda, sem projetos integrados. As diretrizes curriculares nacionais aplicadas no ensino farmacêutico têm de informar o que será aprendido, mas não como aprender. A metodologia aplicada deverá estar adequada à formação farmacêutica, não adiantando inovações, sem se considerar o perfil da formação.
Quando à infra-estrutura, o curso precisa apresentar alto grau de inovação, acompanhado referencias fornecidas pelos projetos de parceria entre MEC e CFF, que irá indicar os laboratórios necessários para a formação do aluno, não adiantando a instalação de laboratórios que não influem na formação do farmacêutico.
O CFF apresentará uma avaliação, por meio de relatório técnico, com análise de oferta, demanda e serviço, dentro de um mérito qualitativo, com recomendação positiva ou negativa para o curso. Em verdade, agir no campo do ensino não é uma função precípua do Conselho Federal de Farmácia.
Mas não nos sentíamos confortáveis, diante da realidade apresentada nos cursos. Por isso, incorporamos esta responsabilidade, com o objetivo de cobrar das faculdades, mas principalmente ajudá-las a se adaptarem às mudanças que foram implantadas as quais, saliento, são o espelho da nova saúde brasileira. Desta forma, o ensino passou a formar um farmacêutico muito mais identificado com a sociedade.