Manifesto dos Farmacêuticos Clínicos do Brasil
As profissões existem para atender necessidades sociais
Se há algum consenso entre os especialistas que se dedicam ao estudo das profissões, ele reside na constatação de que o nível de organização de uma categoria profissional e sua relação com a definição de um campo do conhecimento técnico - que tenha a finalidade de delimitar áreas de competência e padronizar uma base cognitiva que fundamente sua prática - constituem a dimensão estruturante da autonomia e do poder de uma profissão.
De fato, as profissões da saúde, no seu processo de desenvolvimento e profissionalização, detêm um mandato social delegado pelo conjunto da sociedade que persiste como a razão que dá sentido e visibilidade à sua existência, qual seja, atender a determinado aspecto da vida humana e satisfazer um conjunto de necessidades específicas da sociedade, as necessidades de cuidado, de cura, de assistência, de manutenção, de promoção e de proteção à saúde.
Assim forjou-se a profissão farmacêutica ao longo dos séculos, organizando sua prática de modo a prover o tratamento necessário para combater ou mitigar os males que afligem a saúde da humanidade no seu devir histórico, mas também, por aquele motivo, a Farmácia contemporânea opera um longo, porém incisivo processo de transição do seu foco de atuação rumo a um novo mandato societário: prover medicamentos, produtos e serviços para as pessoas, de modo a garantir que o uso de medicamentos resulte no maior benefício possível com o mínimo de risco para o indivíduo e para a sociedade.
A consecução deste mandato só poderá ser alcançada pela materialização de uma prática orientada ao serviço, uma prática voltada para o cuidado, e tal orientação, acreditamos, corresponde ao princípio central do campo que designamos como Farmácia Clínica.
A Farmácia Clínica, que teve seu início no cenário de prática hospitalar, já transcorrido meio século, passou por transformações, como também passaram a profissão e as demandas da sociedade. Hoje, ela incorpora a missão do cuidado, expandindo-se como campo do conhecimento, como disciplina científica e, principalmente, como alicerce de um modelo de prática que perpassa todos os níveis de atenção à saúde. Este modelo de prática se instrumentaliza de forma sistematizada em diferentes processos e estabelecimentos provedores de assistência à saúde. Em qualquer lugar onde se encontre uma pessoa que esteja usando um medicamento, ali haverá, sem dúvida, a necessidade inequívoca do cuidado provido por um farmacêutico.
A expansão das atividades clínicas do farmacêutico transcorreu, como resposta a uma real e significativa necessidade social. A pronta resposta que os farmacêuticos do Brasil darão para atender esta necessidade remete à urgência da sua organização em torno do campo de conhecimento e da base prática que responde a tão significativa demanda.
Faz mais de três décadas, que, em Natal (RN), o pioneirismo empreendedor e visionário daqueles que criaram o primeiro serviço de Farmácia Clínica no Brasil, antecipou e apontou o caminho a ser seguido. De lá para cá, muito foi trilhado e as ações lideradas por entidades profissionais, pelo esforço de educadores nas instituições acadêmicas, e pelo vigor dos farmacêuticos que atenderam ao chamado do cuidado farmacêutico apontam para um só caminho e ecoam como uma promessa, um compromisso.
Farmacêuticos, mais uma vez a história nos convoca e nos desafia!
Com declarado respeito à profissão e às importantes áreas que dignificam o fazer profissional da farmácia brasileira, nós dizemos: este é o momento de darmos maisum passo rumo ao fortalecimento da nossa profissão. Quis o destino que este passo seja dado, novamente, em Natal, trinta e sete anos depois...
A diversidade e a magnitude dos problemas de saúde da população brasileira, bem como a singularidade do nosso sistema de saúde, aliadas ao firme propósito que os farmacêuticos expressam no sentido de contribuir com seu trabalho e sua expertise na construção de um sistema de saúde de acesso universal, equitativo, de qualidade e justo, exigem o esforço e a unidade na ação. Temos a convicção de que esta unidade não será comprometida pelo surgimento de uma entidade que represente a especificidade das pautas às quais os farmacêuticos clínicos do Brasil estão empenhados a debater em colaboração com outras entidades da categoria farmacêutica já existentes.
Deste modo, nós farmacêuticos e educadores abaixo subscritos, declaramos o nosso propósito de construir uma forma de organização de farmacêuticos, que discutem e desenvolvem sua prática com foco no cuidado, no campo da farmácia clínica. Entendemos que esta organização pode e precisa nascer, sob os seguintes princípios fundadores:
⎯uma organização de caráter técnico-científico, apartidária, inclusiva, plural, democrática e representativa, que só poderá crescer pela construção de consensos, a partir da diversidade de posições;
⎯uma organização que estrutura a Farmácia Clínica no Brasil na perspectiva da integralidade do cuidado e de uma visão ampliada da clínica;
⎯uma organização, que deseja incorporar todas as contribuições e debater os diferentes modelos de quem vivencia e constrói o cuidado farmacêutico em diversos cenários e níveis de atenção à saúde;
⎯uma organização que valoriza a importância, mas que não pretende ser mera reprodutora acrítica de modelos desenvolvidos em outros contextos e sistemas de saúde;
⎯uma organização que reconhece o papel de todas as gerações de farmacêuticos clínicos, desde aqueles que implantaram, às gerações que construíram, às que constroem e que construirão esse longo caminho de consolidação da Farmácia Clínica, e de afirmação do farmacêutico como cuidador de pessoas;
⎯uma organização que debate e formula com o espírito de colaboração interinstitucional e que não pretende ser um instrumento de qualquer tipo de interesse que não seja o da promoção do objetivo social da Farmácia e o desenvolvimento da Farmácia Clínica como campo de conhecimento e modelo de prática profissional.
Pelas razões que declaramos neste manifesto, conclamamos neste momento a todos aqueles que estejam dispostos a contribuir de forma livre, leal e consciente com a criação e estruturação de uma entidade que congregue e represente os interesses dos farmacêuticos clínicos no Brasil.
Nossa entidade nascerá e frutificará da consciência de unidade e da atitude firme dos farmacêuticos que rejeitam a passividade e não têm receio do porvir.
Que a história da Farmácia brasileira seja testemunha e avaliadora de nossa convicção e de nossa esperança.
É chegada a hora!Aqui chegamos!Os farmacêuticos clínicos estão presentes!
Natal, setembro de 2016.