Conselho Regional de Farmácia

De Mato Grosso do Sul

Ministro fala do esforço para baixar preço de aquisição de medicamentos

O Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, defende a participação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no processo de análise de patentes e a revisão de mecanismos de liberalidades da lei porque não se sustentam mais na conjuntura atual. "Eles provocam um grave problema para a saúde pública, pois elevam o custo de aquisição de medicamentos", diz, nesta entrevista ao Valor. Temporão discorda que o foco das ações do ministério tenha mudado do social para o econômico. "A visão social ainda é hegemônica. Agregamos a ela uma diretriz que vê a saúde como um setor produtivo gerador de emprego, renda e desenvolvimento", explica. "Ambas se articulam, uma vez que a política social pode ser uma ferramenta para o setor produtivo e este pode fortalecer a política social." Prova disso, diz, é o programa Mais Saúde - o PAC da Saúde - que assegura até 2011 recursos de R$ 65 bilhões para a política social e pouco mais de R$ 1,1 bilhão para o eixo do Complexo Industrial da Saúde. Valor: Quanto o Brasil gasta com medicamentos e para quais doenças destina mais recursos? José Gomes Temporão: O ministério gasta cerca de 10% do orçamento [R$ 5,2 bilhões] com aquisição direta de medicamentos. Os anti-retrovirais representam cerca de R$ 1 bilhão por ano. Em volume de gasto, o programa dos medicamentos excepcionais é maior. Serão R$ 2,3 bilhões em 2008 para cuidar de 770 mil pacientes e o programa de aids cuida de 185 mil pacientes. Na conta do gasto por paciente, o programa de aids despende mais, com custo anual de R$ 5.500,00 por paciente. Valor: Qual a política para administrar esses recursos? Temporão: Um dos problemas críticos do sistema de saúde é o seu subfinanciamento crônico. Por isso, o esforço é na redução do preço de aquisição e não dos valores aplicados em medicamentos, pois há uma relação direta com o acesso. Entre 2007 e 2008, obtivemos algumas vitórias com a redução média de 20% nos preços de aquisição dos medicamentos anti-retrovirais. Os gastos públicos com saúde no Brasil estão perto de 40%, pouco comparado com a Inglaterra e o Canadá, onde chegam a 80%. Enfrentamos pressão grande pela incorporação permanente das novidades lançadas. Mas essa absorção esbarra na capacidade financeira e orçamentária do ministério. Valor: Como é possível compatibilizar a ampliação do acesso com a questão do preço da indústria? Temporão: Conversar, negociar, encontrar sinergias, eliminar impasses. Recebo mensalmente inúmeros empresários interessados em conhecer melhor o Brasil para produzir e investir aqui. As relações entre a indústria e o sistema público de saúde devem ser estruturadas em bases mais profundas do que uma simples relação entre comprador e vendedor. O potencial do mercado brasileiro e a existência de um sistema público que cobre boa parte da população, aliado ao poder de compra do Estado, são atrativos interessantes para a iniciativa privada. Quando você soma isso a uma política de financiamento via BNDES, a uma proposta de revisão da estrutura regulatória, de impostos e incentivos, cria um novo caminho. Valor: A política setorial que o governo está implementando esbarra nos interesses das indústrias? Temporão: Pelo contrário. Um bom exemplo é o desenvolvimento do Efavirenz [medicamento que compõe o coquetel para o tratamento da aids]. Fizemos o licenciamento compulsório do produto, passamos a importar o genérico da Índia e, ao mesmo tempo, pela primeira vez, desencadeamos um processo de obtenção do princípio ativo com tecnologia brasileira. O princípio ativo foi obtido, está em processo de registro na Anvisa e será produzido numa parceria público privada, envolvendo o laboratório Farmanguinhos e três empresas privadas de capital nacional que fabricarão a matéria-prima do genérico nacional. Valor: A indústria reclama que o governo dá prioridade à produção estatal e não aproveita a ociosidade existente no setor privado, de 40%. Temporão: O que não faz sentido é ter laboratórios estatais produzindo medicamentos de largo uso. O setor privado pode fazer isso muito bem. Os laboratórios farmacêuticos estatais cumprem objetivos importantes, sobretudo na produção de medicamentos e no desenvolvimento de pesquisas das doenças, que, por demandarem medicamentos que são commodities, não atraem o capital privado na sua produção. Há ainda um papel regulatório importante, como referência de qualidade, na formação de pessoal qualificado. Valor: É possível convencer grandes laboratórios a produzir novas moléculas aqui no Brasil? O que está sendo feito nesse sentido? Temporão: Pelo menos algumas etapas de pesquisa pré-clínica poderiam ser realizadas no Brasil. Temos conversado com as empresas nesse sentido. O parque brasileiro está retomando um impulso que havia perdido nos últimos 20 anos. As empresas nacionais detêm fatia cada vez mais importante do mercado e parte delas começa a trilhar um caminho em direção à inovação. As fabricantes de genéricos estão crescendo, nossas farmoquímicas também estão renascendo. Por outro lado, as multinacionais parecem dispostas a reinvestir no país e há articulações em curso entre empresas privadas e públicas para parcerias no campo da inovação e produção. Nossos parceiros nesse terreno, o BNDES e a Finep, apóiam essas iniciativas. Valor: Qual é a estratégia para a produção nacional? Temporão: Não dá para imaginar que o Brasil vá fazer uma política de substituição de importações, desenvolvendo tudo aqui. Estabelecemos três prioridades: em primeiro lugar, produtos mais relevantes para a saúde pública no Brasil, destinados a doenças cardiovasculares e câncer. Em segundo, produtos que tenham grande impacto no gasto do governo. E o mais importante: áreas onde o país, por seu próprio desenvolvimento, possui algum tipo de conhecimento acumulado que possa ser alavancado para resultados mais rápidos. Valor: O atual marco regulatório do país ainda recebe críticas. Como o sr. vê essa questão? Temporão: Alguns problemas poderiam ser discutidos, como liberalidades colocadas na Lei de Patentes nos anos 90 e que não mais se sustentam. Por exemplo, os mecanismos de patentes concedidas com o dispositivo pipeline. Elas provocam um grave problema para a saúde pública, pois elevam o custo de aquisição de medicamentos. Defendo uma revisão desse processo, com o objetivo de fortalecer a indústria nacional e proteger os usuários do SUS.