Conselho Regional de Farmácia

De Mato Grosso do Sul

O PODER DEVASTADOR DO CRACK

A tragédia do crack não é nova para o Brasil. Há anos, o país convive com o drama de violência e morte. Novo e oportuno, contudo, é o fato de a elite política do país, enfim, reconhecer a emergência do problema. Em seu primeiro discurso como presidente eleita, Dilma Rousseff disse que o governo não deveria descansar enquanto "reinar o crack e as cracolândias". Poderia ter falado genericamente "drogas", mas referiu-se especificamente ao "crack". Não foi à toa. Estima-se que no mínimo 800.000 pessoas sejam dependentes da droga no país - variante devastadora da cocaína que, como nenhuma outra, mata 30% de seus usuários nos primeiros cinco anos. O tratamento é bastante difícil e oneroso, tem baixa adesão e efetividade (cerca de 30% de sucesso), o serviço público oferece poucas opções de tratamento, o dependente tem muitas recaídas e muitos morrem sem ao menos tentar. Tem mais chances, obviamente, aqueles que conseguem se internar em clinicas particulares com acompanhamento médico e psicológico especializado e assistidos em tempo integral. Mesmo assim, 90% dos pacientes em tratamento sofrem recaídas nos primeiros oito meses, 50% desiste do tratamento e volta a fazer uso pesado. Dos que persistem e passam até um ano em tratamento, 90% voltam a estudar e trabalhar, ainda que em grande parte das vezes não consigam se livrar de recaídas eventuais (Revista Veja, edição 2253, de 25.01.2012). Há dez anos 200.000 brasileiros havia experimentado o crack. Em uma década, esse número saltou para 800.000 usuários e hoje, estima-se que 91% dos municípios brasileiros já possuem cidadãos viciados pertencentes a todas as classes sociais. Em dezembro de 2011, o Instituto Nacional de Politicas Públicas do álcool e Drogas traçou um perfil da população da Cracolândia de São Paulo. Do total de 178 ocupantes pesquisados, 17 tinham curso superior completo,24 eram estudantes universitários, sendo que 02 cursavam medicina. A mudança no perfil dos dependentes químicos brasileiros é evidente quando observamos os pacientes internados em clinicas de recuperação e em comunidades terapêuticas. Nas clinicas mais caras do país, com mensalidades que chegam a 50 mil reais, o crack se tornou a droga prevalente. Se antes, praticamente todos os pacientes eram internados pelo vicio em álcool ou cocaína, nos últimos cinco anos, os viciados em crack subiu 60%. Especialistas alertam que um em cada três usuários morre em média após cinco anos de uso contínuo do crack. Confira a seguir seu efeito sobre o organismo e uma comparação com as demais drogas. "Comparado a outras drogas, o crack é sem dúvida a mais nefasta, porque produz rapidamente a dependência: sob a compulsão pela substância, o usuário desenvolve comportamentos de risco, que podem chegar à atividade criminosa e à prostituição", diz Solange Nappo, da Unifesp. Pablo Roig, psiquiatra e dono de uma clínica de tratamento de dependentes químicos, acrescenta que a dependência chega a tal ponto que "o usuário perde a capacidade de decidir se usará ou não a droga". Por que o crack vicia tão rápido? Até hoje não hoje não se conhece nenhuma substância que provoque um aumento tão grande de dopamina no cérebro. A dopamina é um neurotransmissor que regula a sensação de bem-estar e prazer. O crack e a cocaína alteram quimicamente uma parte do cérebro chamada sistema de recompensa. Quando a pessoa fuma o crack, a droga prende a dopamina nos espaços entre as células nervosas. A dopamina cria as sensações de prazer que obtemos em atividades prazerosas, como comer ou fazer sexo. Assim, bastam algumas poucas experiênciascom a droga para que o mecanismo cerebral responsável pelo sistema de recompensa passe a registrá-la como a fonte mais intensa de prazer. Em usuários de crack, a dopamina continua estimulando essas células, criando um "barato", uma sensação de euforia que dura de 5 a 15 minutos. Então, a droga começa a perder efeito, deixando a pessoa desanimada e depressiva, resultando em um desejo de fumar mais crack para se sentir bem de novo. O cérebro responde à overdose de dopamina criada pelo crack destruindo parte da dopamina, produzindo menos ou bloqueando os receptores. O resultado é que, depois de utilizar a droga por certo tempo, os usuários de crack se tornam menos sensíveis a ela, e precisam utilizar mais e mais para obter o efeito desejado. Consequentemente, eles não conseguem parar de usar a droga porque seus cérebros são "reprogramados", eles precisam da droga para funcionar corretamente. Quanto tempo leva para se viciar? Varia de pessoa para pessoa, e é difícil determinar um tempo exato, principalmente porque o vício físico está ligado ao vício psicológico. Evidentemente, nem todo mundo reage da mesma forma ao uso prolongado. Há usuários que se tornam ainda mais sensíveis ao crack quanto mais o utilizam. Alguns chegam a morrer depois de utilizar uma pequena quantidade, devido a sua sensibilidade aumentada. Quando uma pessoa viciadafica sem de utilizar o crack há uma "crise", denominada Crise de Abstinência. O crack provoca os seguintes sintomas típicos de abstinência: depressão, ansiedade, paranoia, fissura (necessidade intensa pela droga), irritabilidade, agitação, exaustão e raiva. Fonte: Clínica Greenwood e NationalInstituteonDrug Abuse apud Revista Veja, edição 2253, de 25.01.2012. Para o usuário, a diferença está na sensação que o crack e a cocaína provcam. O efeito do primeiro é muito mais intenso por causa do mecanismo de absorção da droga pelo organismo. A parte interna da narina tem cerca de 4 cm2, área que entrará em contato com a cocaína inalada. Como o crack é fumado, a substancia ativa da droga – o cloridrato de cocaína – vai para em direção aos brônquios e os pulmões, chegando aos alvéolos que possuem uma área de absorção que mede 80 metros quadrados, em média, o que equivale a metade de uma quadra de tênis. A quantidade de cocaína absorvida em apenas uma tragada é enorme. No cérebro, o cocaína eleva em 900% o nível de dopamina, neurotransmissor regulador do prazer. Nada conhecido provoca estímulo tão poderoso. Tratamento: Especialistas que conhecem a fundo os efeitos do crack no organismo dizem que não basta uma tragada para que o usuário fique viciado, mas tornar-se um dependente químico é um processo rápido. Fazer o caminho contrário, contudo, é difícil. Estima-se que a taxa de sucesso dos tratamentos de desintoxicação gira em torno de 25% a 30%. Ana Cecília Marques, coordenadora do departamento de dependência química da Associação Brasileira de Psiquiatria, explica que o tratamento anticrack é dividido em três fases: desintoxicação, diagnóstico dos fatores que levaram o indivíduo à dependência e controle dessa mesma dependência, que pode incluir uso de medicação. "Na última fase, o usuário precisa fazer essa manutenção, porque a dependência é uma doença crônica", diz. "Ele não vai ter alta: precisa fazer retornos periódicos. Além disso, é necessário avaliar seu processo de reinserção na sociedade." O caminho para livrar-se da droga pode ser mais tortuoso se depender do Sistema Único de Saúde (SUS). "Infelizmente, no Brasil, não temos um tratamento público para a maior parte dos dependentes químicos", diz Ana Cecilia. Atualmente, para atender esses doentes, o governo federal mantém 8.800 vagas em hospitais psiquiátricos, 243 centros de atenção psicossocial álcool e drogas (Caps-AD), Núcleo de Saúde da Família e 35 Consultórios de Rua. é pouco se considerada a estimativa do Ministério da Saúde de 600.000 usuários somente de crack no país. A rede de saúde mental faz parte do SUS, que tem ações do âmbito federal, estados e municípios - é sempre este que responde pelo atendimento. As autoridades de saúde terão de responder à urgência do tema e também à demanda crescente por tratamentos. Segundo dados preliminares de um levantamento realizado pelo grupo de pesquisa de Ana Cecília, cresce a procura de usuários de crack por terapias de desintoxicação. A pesquisa acompanha anualmente um grupo de dependentes químicos: há dois anos, o percentual dos viciados em crack que procuravam a ajuda era de 30%; este ano, essa parcela saltou para 70%. O Farm. Adam Macedo Adami, é Diretor Tesoureiro do CRF/MS e representa o órgão no Conselho Estadual Antidrogas (CEAD/MS). Fonte: Revista Veja. “O crack bate à nossa porta”.Editora Abril: São Paulo, edição nº 2253, ano 45, nº 04, 25 jan. 2012. LEIA MAIS: Tratamento Farmacológico da Dependência de Crack/Cocaína Dado a magnitude e complexidade da Síndrome de Dependência de Crack/Cocaína, vários agentes farmacológicos têm sido intensamente investigados para este transtorno a fim de melhorar as respostas ao tratamento principalmente através da diminuição da “fissura”, obtenção da abstinência e assim possibilitar um maior envolvimento dos pacientes ao programa terapêutico proposto. Apesar de muitos ensaios clínicos que mostram algum benefício para tratar este fenômeno, as medicações anti-fissura ou anti-craving não são ainda bem conhecidas e compreendidas pelos clínicos. A dependência ou a adição é uma condição heterogênea, com certa variabilidade em reatividade para a droga de abuso assim como para os medicamentos disponíveis para tratá-la. Apesar da intensa pesquisa nos últimos anos, não há ainda nenhum medicamento aprovado para o tratamento da dependência de cocaína. Em outras palavras, ainda não existe uma farmacoterapia com evidência sólida o bastante para tratar usuários desta substância. Durante os últimos 20 anos, os esforços de pesquisa clínica na busca por desenvolver uma farmacoterapia efetiva para a dependência de cocaína tem provado que está é realmente uma tarefa bastante difícil. ANTICONVULSIVANTES Os anticonvulsivantes possuem a vantagem em relação a outras intervenções farmacológicas no tratamento das dependências químicas, em decorrência da ausência de potencial de abuso, ação anti-kindling e indicação clínica no manejo de comorbidades psiquiátricas, especialmente os transtornos do humor. Alguns autores apóiam o uso da carbamazepina, valproato de sódio, lamotrigina e gabapentina como opções terapêuticas no tratamento da abstinência de cocaína. 9 A desipramina; um antidepressivo tricíclico com propriedades noradrenérgicas (não disponível no mercado brasileiro) parece ser entre os antidepressivos o mais amplamente avaliado para usuários de cocaína. A imipramina mostrou-se melhor que o placebo em termos de resposta clínica de acordo com o auto-relato dos pacientes no mesmo estudo. Os autores concluem que não foi constatado que os antidepressivos reduzem a dependência de cocaína, embora isto possa estar relacionado ao fato das pessoas deixarem de usar os antidepressivos geralmente muito precocemente. Em outro estudo mais recente não incluído na revisão sistemática citada, a desipramina mostrou-se ser uma medicação efetiva no tratamento de pacientes dependentes de cocaína em vigência de transtorno depressivo associado. AGENTES GABAéRGICOS Agonistas do ácido Gama-aminobutirico (GABA) podem atenuar os efeitos comportamentais da cocaína e podem ser uma farmacoterapia efetiva para abuso e dependência de cocaína. O Baclofen (utilizado como medicação antispasticidade) e o Vigabatrim parecem ter sido mais efetivos para aqueles usuários crônicos de cocaína ANTAGONISTAS OPIóIDES O naltrexone é um antagonista opióide utilizado inicialmente na síndrome de dependência ao álcool como uma medicação anticraving. Atualmente, vem sendo avaliado para outras indicações terapêuticas como jogo patológico e bulimia nervosa, assim como para usuários de cocaína. Os estudos com o naltrexone em usuários de cocaína apresentam resultados contraditórios. Um estudo piloto que utilizou 150 mg ao dia de naltrexone reduziu o uso de álcool em população dependente de cocaína. Já outro estudo de seguimento em pacientes com dependência dual ao álcool e a cocaína falhou em reproduzir o mesmo efeito do naltrexone na dose de 50 mg/dia. BLOQUEADORES ADRENERGICOS A eficácia do propranolol, um bloqueador alfa-adrenérgico não seletivo, foi avaliado por 8 semanas em estudo duplo cego placebo controlado com 108 pacientes dependentes de cocaína. Não foram encontradas diferenças entre os grupos quando todos os pacientes foram incluídos na análise. Porém, quando os pacientes com sintomas de abstinência á cocaína mais severos foram analisado separadamente, estes responderam melhor ao propranolol que o grupo placebo em termos de retenção e maiores taxas de amostras negativas de urina. Este estudo sugere que os bloqueadores adrenérgicos podem ser efetivos no subgrupo com maior severidade de sintomas de abstinência a cocaína. Outros estudos em humanos examinaram as interações entre os bloqueadores adrenérgicos e a cocaína. Ambos, Labetalol e o carvedilol, dose dependentes, atenuaram a freqüência cardíaca e a pressão sanguínea quando da aspiração de cocaína. O carvedilol na dose de 25 mg também reduziu o comportamento e auto-administração de cocaína, sugerindo assim que os bloqueadores adrenérgicos podem atenuar os efeitos reforçando da cocaína. REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS Leite MC & Andrade AG. Cocaína e Crack: dos Fundamentos ao Tratamento. In: Capitulo 19, Tratamento Farmacológico, pp. 303-310. Editora ARTMED, Porto Alegre,1999. Lima MS, Soares BGO, Reisser AA, Farrell M. Pharmacological treatment of cocaine dependence: a systematic review. Addiction 2002; 97 (8): 931-949. O’Brien CP. Anticraving Medications for Relapse Prevention: A Possible New Class of Psychoactive Medications. Am J Psychiatry 2005; 162:1423–1431. REIS, Alessandra Diehl e LARANJEIRA, Ronaldo. Tratamento farmacológico do uso da cocaína. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD). Revista Veja. “O crack bate à nossa porta”.Editora Abril: São Paulo, edição nº 2253, ano 45, nº 04, 25 jan. 2012. 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