Conselho Regional de Farmácia

De Mato Grosso do Sul

Posicionamento do CRF/MS quanto ao emprego terapêutico precoce de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com diagnóstico da Covid-19

Nota sobre a cloroquina!

- Considerando a divulgação das Orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da COVID-19, orientando o uso de cloroquina e hidroxicloroquina associados a outros medicamentos para pacientes em sintomas leves de COVID-19, e que até o momento não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação de terapia farmacológica específica, conforme afirmado nas próprias orientações do Ministério da Saúde;

- Considerando que o momento excepcional provocado pela pandemia desencadeada pelo vírus SARS-Cov-2, COVID-19, não pode significar que a racionalidade deva ser abandonada nem que a população deva ser exposta a condições de maior vulnerabilidade;

- Considerando a publicação das orientações do Ministério da Saúde, que não se baseia em evidências científicas, relaciona referências de estudos já criticados pela comunidade científica e não cita estudos e artigos atuais;

- Considerando que até esse momento, os resultados têm demonstrado que a cloroquina e a hidroxicloroquina podem não ter eficácia para o tratamento de pacientes com COVID-19, incluindo pacientes com sintomas leves;

Considerando a importância e o papel da ciência e da tecnologia estratégicos para a busca de soluções para a prevenção e tratamento da COVID-19, bem como as conclusões já publicadas em revistas científicas, como a The New England Journal of Medicine, JAMA, The BMJ 1 e The BMJ 2, que tem demonstrado apenas efeitos indesejáveis do uso desses medicamentos, incluindo sérios problemas cardíacos;

- Considerando as diretrizes de entidades médicas, como a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e Associação de Medicina Intensiva Brasileira, que já emitiram um comunicado no dia 18 de maio contraindicando a cloroquina e a hidroxicloroquina (e outros remédios experimentais) em qualquer estágio da COVID-19;

- Considerando a Recomendação CNS nº 042, de 22 de maio de 2020, publicado pelo Conselho Nacional de Saúde que recomenda a suspensão imediata das Orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da COVID-19, como ação de enfrentamento relacionada à pandemia do novo coronavírus;

O Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul (CRF/MS) em defesa da saúde pública, visando a proteção e promoção da saúde da população sul-mato-grossense e diante de seu compromisso com a ciência, a técnica e com o exercício ético da profissão farmacêutica, vem por meio deste se posicionar frente a publicação do Ministério da Saúde “ORIENTAÇÕES PARA MANUSEIO MEDICAMENTOSO PRECOCE DE PACIENTES COM DIAGNÓSTICO DA COVID-19”, publicada em 20 de maio de 2020, autorizando uso de cloroquina/hidroxicloroquina para tratar sintomas leves da COVID-19.

Desde janeiro de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a disseminação da Covid-19 como uma emergência de saúde pública mundial, diversos estudos foram conduzidos na tentativa de propor uma terapia segura e eficaz para o combate à doença. Dentre esses, foi dado destaque, especialmente no Brasil, para a utilização da cloroquina e da hidroxicloroquina associadas à azitromicina, mesmo sem que tenha sido demonstrado, até o momento, estudos científicos que comprovem os benefícios da terapia.

No momento, existem catalogados cerca de 1.600 estudos clínicos relacionados à COVID-19 (https://clinicaltrials.gov/) para avaliar potenciais fármacos. Sendo assim, toda avaliação sobre tratamento farmacológico dessa nova doença é dinâmica, podendo ser modificada à medida que novos conhecimentos são publicados.

Os estudos clínicos atuais com cloroquina ou hidroxicloroquina, associada ou não à azitromicina, permitem concluir que tais medicamentos, até o presente momento, não mostraram eficácia no tratamento farmacológico de COVID-19 e não devem ser recomendados na rotina. Por outro lado, alguns estudos mostraram seu potencial malefício, podendo causar alteração cardiológica, verificada no eletrocardiograma (prolongamento do intervalo QT), que está associada a uma maior chance de arritmias ventriculares, potencialmente fatais.

Em 22 de maio, a respeitada revista científica The Lancet publicou em um estudo multinacional, observacional, realizado com 96.032 pacientes, em 671 hospitais de seis continentes e a conclusão apresentada revela que “não foi possível confirmar um benefício da cloroquina ou hidroxicloroquina, quando usado isoladamente ou com um macrólido, nos resultados hospitalares da Covid-19”. Ao contrário, o que se observou foi uma diminuição da sobrevida hospitalar dos pacientes e a um aumento da ocorrência de arritmias ventriculares quando usado no tratamento da Covid-19. Os resultados sugerem que esses esquemas medicamentosos não devem ser usados fora de protocolos de ensaios clínicos e que sé necessária a confirmação desses resultados através de ensaios clínicos randomizados.

Com base na pesquisa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou, dia 25 de maio, a interrupção do uso da cloroquina e hidroxicloroquina em testes para tratamento contra a Covid-19.

Entendemos que, excepcionalmente, em casos críticos, com diagnóstico confirmado para a Covid-19, o médico deve avaliar a possibilidade de utilização da terapia farmacológica, baseando-se na anamnese clínica e na relação custo benefício, considerando a possibilidade de reações adversas graves decorrentes do uso da cloroquina ou hidroxicloroquina.

Infelizmente, o Ministério da Saúde impôs ao médico e ao paciente, a assinatura de um termo de consentimento e ciência, responsabilizando-o pelo uso da cloroquina ou hidroxicloroquina, mesmo nos casos leves da Covid-19, desconsiderando sua possível incapacidade de avaliação consciente e de auto-crítica quanto aos riscos da terapia.

Dessa forma, considerando as recomendações do Conselho Federal de Farmácia (CFF), de diversas entidades médicas e, especialmente, a Resolução nº 42 de 22 de maio de 2020 publicada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), reconhecendo o direito do farmacêutico a exercer sua profissão com autonomia e independência, e de decidir ou não pelo aviamento, recomendamos aos farmacêuticos para a não dispensação indiscriminada dos antimaláricos cloroquina e hidroxicloroquina, especialmente quando prescritos para pacientes ambulatoriais com sintomas leves da Covid-19, cabendo ao farmacêutico, interagir com o profissional prescritor, quando necessário, para garantir a segurança e a eficácia da terapêutica prescrita, observando a segurança do paciente e o uso racional de medicamentos.

A dispensação dos medicamentos relacionados no esquema terapêutico proposto pelo Ministério da Saúde, contendo difosfato de cloroquina ou sulfato de hidroxicloroquina associados a azitromicina, destinada ao tratamento precoce de casos leves da Covid-19, deve ser feita de forma criteriosa e orientada, mediante confirmação do diagnóstico e apresentação do termo de consentimento e ciência assinado pelo paciente ou responsável. O acompanhamento farmacoterapêutico e a monitorização dos pacientes deve ser ainda mais cuidadosa, tendo em vista a ocorrência das reações adversas associadas ao uso da cloroquina/hidroxicloroquina e às possíveis complicações da Covid-19.

A responsabilidade do farmacêutico aumentou consideravelmente a partir da publicação em 2014 da Lei Federal nº 13.021, que resultou na ampliação das possibilidades de prestação de serviços clínicos pelo farmacêutico, ao estabelecer que farmácia funcione como um estabelecimento de saúde e que seja uma unidade de assistência à saúde e de orientação sanitária individual e coletiva. Em seu artigo 13, cita como obrigações do farmacêutico: notificar os efeitos colaterais, das reações adversas e intoxicações; proceder ao acompanhamento e estabelecer o perfil farmacoterapêutico; e prestar orientação farmacêutica, com vistas a esclarecer ao paciente a relação benefício e risco, a conservação e a utilização de fármacos e medicamentos inerentes à terapia, bem como as suas interações medicamentosas e a importância do seu correto manuseio.

A Lei Federal nº 13.021/2014 e a Resolução do CFF nº 357/2002, respaldam a autonomia técnica do farmacêutico na decisão para o atendimento ou não da dispensação de quaisquer medicamentos, tendo em vista a garantida da eficácia e segurança da terapêutica prescrita. Dessa forma, o farmacêutico tem o dever e o direito de não realizar atos contrários à ciência ou à ética e que possam colocar em risco a saúde do paciente, tendo total amparo pelo Código de Ética da Profissão, com previsão no artigo 11, inciso VI da Resolução do CFF nº 596/ 2014, estabelecendo que:

Art. 11 – É direito do farmacêutico:

VI - negar-se a realizar atos farmacêuticos que sejam contrários aos ditames da ciência, da ética e da técnica, comunicando o fato, quando for o caso, ao usuário, a outros profissionais envolvidos e ao respectivo Conselho Regional de Farmácia;

VIII - exercer sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames da legislação vigente;

O Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul (CRF/MS) reconhece e defende a importância do papel do farmacêutico na dispensação de medicamentos e a autonomia do profissional na decisão de dispensar ou não o medicamento, visando sempre a garantir o uso racional dos medicamentos, a eficácia e a segurança da terapêutica prescrita. Além disso, o Código de Ética da Profissão Farmacêutica, em seu artigo 14, inciso XXIII, da Resolução CFF nº 596/2014, estabelece que é proibido ao farmacêutico fornecer ou dispensar medicamento para uso diverso da indicação para o qual foi licenciado, salvo quando houver evidencia cientifica ou mediante acordo ou entendimento formal ou expresso com o médico prescritor.

Art. 14 - É proibido ao farmacêutico:

XXIII - fornecer, dispensar ou permitir que sejam dispensados, sob qualquer forma, substância, medicamento ou fármaco para uso diverso da indicação para a qual foi licenciado, salvo quando baseado em evidência ou mediante entendimento formal com o prescritor;

O CRF/MS se posiciona ao lado da profissão farmacêutica e se coloca à disposição para apoiar os profissionais que se sentirem ameaçados ou impedidos no cumprimento ético, técnico e científico dos deveres inerentes à nossa profissão.

Atenciosamente,

À DIRETORIA DO CRF/MS.