Setor farmacêutico mantém ritmo de fusões e aquisições
O alucinante ritmo de fusões e aquisições entre empresas foi um dos maiores marcos da euforia que reinou na economia mundial entre 2003 e o início de 2008. Ano após ano, o volume de transações batia recordes. Como era de esperar, o fim dessa euforia veio acompanhado de uma freada brusca no mercado de fusões e aquisições. De um ano para cá, o volume de transações no mundo caiu quase 40%. Essa queda ocorreu em todos os setores da economia, exceto em um: o farmacêutico.
Ocorreram, em 2009, algumas das maiores aquisições da história recente da indústria. Em janeiro, a americana Pfizer comprou o laboratório Wyeth por 76 bilhões de dólares. Em março, a também americana Merck comprou a Schering-Plough por 41 bilhões de dólares. A suíça Roche adquiriu a Genentech por 46 bilhões. Segundo a consultoria americana Dealogic, o volume total de fusões de farmacêuticas quintuplicou em relação ao mesmo período de 2008.
Grandes operações envolvendo laboratórios não são uma novidade. Na verdade, a história da indústria farmacêutica nas últimas décadas é contada por meio de uniões monogâmicas ou poligâmicas. O maior rastro deixado por essas transações é, justamente, o atual nome das grandes empresas do setor. GlaxoSmithKline, AstraZeneca e Sanofi-Aventis, para ficar em apenas alguns exemplos, são resultado da união de companhias que mantiveram seus sobrenomes ao mesmo tempo que agregavam outros. A Pfizer, por exemplo, tornou-se a maior empresa farmacêutica do mundo por meio de uma notável sequência de aquisições. A atual onda de consolidação, porém, é totalmente diferente das anteriores. E, longe de demonstrar a força dos maiores, é uma demonstração de suas fraquezas.
As maiores farmacêuticas do mundo se veem, hoje, diante de uma ameaça concreta a seu caixa: nos próximos anos, alguns dos medicamentos mais rentáveis serão de domínio público. Segundo um levantamento da agência de classificação de risco Moody’s, entre 2010 e 2012 os EUA e a Europa assistirão à maior onda de expiração de patentes da história. E, o que é mais curioso, os medicamentos em questão são o primeiro ou o segundo colocado em vendas de suas fabricantes. É o caso do Lipitor, droga para tratamento de colesterol mais vendida no mundo, fabricada pela Pfizer. Ou do Iscover, principal produto do portfolio da Bristol-Myers Squibb, ou ainda do antipsicótico Zyprexa, do Eli Lilly. O mesmo destino marca o Viagra. A Pfizer perderá a patente da famosa pílula azul contra a impotência masculina em 2012.
QUEIMA DE ETAPAS
Perder a patente significa passar a concorrer com a agressiva indústria de medicamentos genéricos, que chega a cobrar metade do preço por um produto desenvolvido pelos grandes laboratórios. Um estudo da escola de negócios Wharton, da Universidade da Pensilvânia, mostra que são necessários poucos meses para que as empresas de genéricos alcancem 80% das vendas de um medicamento após expirar sua patente. Estima-se que a perda nas vendas dos grandes laboratórios chegue a 100 bilhões de dólares em cinco anos.
Diante desse movimento inexorável, as grandes farmacêuticas buscaram em seus departamentos de pesquisa os novos medicamentos que compensariam a perda da patente dos antigos. O problema: não encontraram quase nada. A solução? Comprar quem tivesse uma carteira de inovações - e, assim, queimar etapas. Para a Merck, avessa a aquisições, a compra da Schering foi a maneira de dobrar, para 18, o número de drogas em seu estágio final de desenvolvimento. A Pfizer, de longe a mais ameaçada, pela quebra da patente de Lipitor e Viagra, comprou a Wyeth numa medida drástica para obter sinergias e preparar-se para o cenário menos róseo à frente. A aquisição criou um gigante com vendas anuais de 71 bilhões de dólares, com potencial para cortar 4 bilhões de dólares em custos operacionais. Cerca de 15% dos funcionários serão demitidos.
Fabricantes de remédios são, tradicionalmente, protegidos contra crises econômicas. Ninguém em sã consciência, afinal, vai trocar seu medicamento de última geração por um chá medicinal para economizar. O problema, para os fabricantes, é que a atual crise está sendo administrada por um presidente americano que não é exatamente um aliado da indústria farmacêutica. Desde a época de campanha, Barack Obama vem prometendo às grandes do setor uma mudança na relação delas com o governo. Seu objetivo é baixar os custos do sistema de saúde americano, um dos mais caros do mundo.
No início deste ano, Obama anunciou que o Estado poderá comprar diretamente dos fabricantes, pressionando os preços dos remédios para baixo. Segundo cálculos do banco WestLB, a força de negociação do governo poderá derrubar até 40% dos preços dos medicamentos. Obama também deixou claro que aumentará as compras de medicamentos genéricos. É má notícia para a "Big Pharma", forma como alguns americanos se referem à indústria. Os laboratórios concentram suas vendas justamente nos Estados Unidos. Com as mudanças à frente, a pressão para consolidação e corte de custos, portanto, tende a aumentar.
Embora seja, inegavelmente, uma estratégia correta para quem quer cortar custos, crescer por aquisições pode ser, também, a maneira errada de combater o maior mal da indústria farmacêutica de hoje - a baixíssima produtividade das pesquisas de medicamentos. Segundo estudos da Sanovi-Aventis, uma nova droga leva de 12 a 15 anos para ser desenvolvida e apenas um entre 5.000 compostos pesquisados chega aos pacientes na forma de remédio.
O desenvolvimento de cada droga consome cerca de 900 milhões de dólares e somente três entre dez conseguem cobrir os recursos investidos. Além de tempo e dinheiro aplicados, não há nenhuma garantia de que a droga será aprovada pelos órgãos reguladores. E tamanho, sabe-se, não é garantia de mais inovação. Pelo contrário. "Hoje, a linha de frente da pesquisa farmacêutica está nos pequenos laboratórios de biotecnologia", diz Patrizia Danzon, pesquisadora de Wharton. Ser grande pode ser a solução para problemas imediatos - mas não é o remédio certo para a doença crônica da falta de inovação.