Conselho Regional de Farmácia

De Mato Grosso do Sul

Transplante de medula elimina HIV em paciente

O paciente de 42 anos tinha Aids havia mais de uma década, estava com leucemia mielóide e dependia de um transplante de medula óssea para permanecer vivo. Chegou ao hospital Charité Medical University (Berlim) em março de 2007 e foi atendido pela equipe do médico Gero Hütter. Diante da gravidade de seu estado de saúde, o norte-americano se submeteu a um regime de poderosas drogas e ao tratamento à base de radiação, o que praticamente destruiu seu sistema imunológico. O Registro Central de Doadores de Medula Óssea da Alemanha identificou 232 pessoas com antígeno leucocitário humano (HLA) idêntico, o que demonstrava compatibilidade. Hütter quis ir mais além e optou por injetar em seu paciente células-tronco retiradas da medula de um portador da mutação Delta 32. A anomalia, herdada tanto do pai como da mãe, impede que a molécula quemoquina (CCR5) se projete para fora dos glóbulos brancos e funcione como uma ponte para a entrada do vírus HIV no organismo. Dos 232 doadores, 80 apresentavam essa mutação. A chance de se encontrar um doador com medula compatível e com essa mutação é de apenas 1% na Europa. Resultado: depois do transplante, o homem saiu do hospital sem o vírus da Aids e curado da leucemia. No dia em que recebeu as células-tronco, o paciente interrompeu o tratamento com antiretrovirais. Sessenta e oito dias depois do transplante, os médicos realizaram uma contagem da carga viral - o teste DNA-PCR indicou sorologia negativa. Após recuperar a capacidade imunológica, o homem repetiu os exames no 285º dia. "A carga de HIV-1 não pôde ser detectada no sangue periférico, na medula óssea e na mucosa retal", escreveram os hematologistas em um estudo apresentado na 15ª Conferência sobre Retrovírus e Doenças Oportunistas, que ocorreu entre 3 e 6 de fevereiro em Boston (Estados Unidos). Em entrevista ao Correio, por e-mail, Gero Hütter mostrou-se incomodado com a repercussão da façanha. Ele contou que o estudo estava sob revisão de uma "prestigiosa" revista norte-americana de medicina havia mais de um ano. "Por causa de um relato não-autorizado ao jornal The Wall Street Journal, a notícia se espalhou como um incêndio pelo mundo", disse. "Má sorte para mim, pois esse pode ser o fim de nossa inscrição do estudo científico." A ordem no hospital Charité ontem era de silêncio absoluto e o próprio Hütter se negou a comentar a pesquisa. Na comunidade científica internacional, as reações à pesquisa foram de otimismo e desconfiança. O infectologista norte-americano John J. Rossi reconhece a importância da descoberta, mas lembra que ela contemplou apenas um paciente. "Há muita esperança de que o uso de células com a molécula CCR5 modificada em transplantes possa ser um tratamento contra o HIV, mas o mundo está muito longe da cura da Aids e só podemos confiar em terapias que mantenham o controle do vírus", explicou à reportagem. Ele usa o HIV geneticamente alterado para transportar até os glóbulos brancos um gene capaz de desativar a CCR5 e dois outros que incapacitam o vírus. Por telefone, Anthony Fauci - diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA e pioneiro na luta contra a Aids - também adotou cautela. Segundo ele, o vírus pode não ter sido completamente eliminado do organismo humano. "O transplante dessas células-tronco não permite a replicação do HIV", afirmou. "Essa técnica pode ser muito boa isoladamente, mas não creio ter muita aplicação para o tratamento da Aids por ser perigosa e exigir um doador compatível." Fauci acredita que o mundo não tem qualquer motivo para celebrar a notícia e visualiza a cura como utopia. "No entanto, temos drogas cada vez mais seguras e melhores na supressão do vírus, aumentando o tempo de vida do paciente", acrescentou. A advogada gaúcha Beatriz Pacheco, de 59 anos, convive desde 1996 com a Aids. Cética, ela lembrou à reportagem que os próprios soropositivos ficam com carga viral indetectável caso sigam o tratamento antiretroviral à risca. "O HIV se esconde em @2023MCsantuários@2023MC, locais não alcançados pelos medicamentos. Se a pessoa transplantada não vier a ter replicação viral no futuro, então poderemos falar em cura", disse. "Prefiro pensar em cuidar da minha terapia, aderir às drogas e me manter saudável. Prefiro não criar expectativas ou ilusões. No meu diagnóstico me deram 18 meses de vida, e já vão se passar 12 anos", comemorou a mulher que foi casada por 10 anos e viu o marido, soronegativo, morrer de câncer em 2006.