Volta da creatina reacende polêmica
Primeiro medicamento de marca com a substância chega às farmácias e Anvisa estuda autorizar a venda de suplemento alimentar à base do produto; medidas despertam preocupações de especialistas sobre riscos do consumo indiscriminado.
O primeiro medicamento de marca à base de creatina liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária chegou às farmácias esta semana, reativando uma polêmica que está apenas começando. Isso porque, além de vendida como remédio que precisa de receita, a Anvisa poderá em breve autorizar a comercialização da substância na categoria de suplemento alimentar para atletas, sem exigência de prescrição.
A situação leva especialistas a alertar sobre os riscos do uso indiscriminado da substância. O composto, feito com uma substância natural presente na carne, funciona como transportador de energia para o corpo, mas não traz benefícios a pessoas saudáveis, com alimentação balanceada e que não pratiquem esportes de alto rendimento, segundo a Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva. Pelo contrário, a sobrecarga da substância pode trazer até riscos, como problemas renais e hepáticos. Outros especialistas e a indústria do setor discordam.
Vendida sem controle até 1988, a comercialização do produto como alimento para atletas é hoje proibida no Brasil, mas é facilmente encontrada no mercado negro. Segundo a Anvisa, não há estudos definitivos sobre os benefícios do produto nesses casos.
Há um ano, porém, a agência liberou um medicamento de marca para tratar uma doença que causa comprometimento muscular. Antes disso, como remédio, a droga estava disponível apenas em farmácias de manipulação. Os médicos, porém, têm liberdade para a prescrição do produto para outros usos. E a chegada da droga às farmácias comuns pode facilitar sua compra, pois a venda sem receita é regra no País.
Alvará - Em breve, a Anvisa deve decidir se permite ainda que suplementos para atletas tenham a substância, o que permitirá a venda do produto em qualquer estabelecimento com alvará sanitário, sem a exigência da receita. A única exigência seria a exibição de alertas no rótulo de que só devem ser consumidos por atletas. A tendência é Anvisa autorizar o uso, já que a ideia consta de sua própria proposta na consulta pública sobre o tema apresentada em 2008.
Segundo Jomar Souza, presidente eleito da Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva, consenso da entidade do fim de 2009 apontou que a substância pode trazer benefícios a vegetarianos, pessoas com perda muscular pela idade ou doenças e em esportes que exigem potência e explosão, como corrida de 100 metros rasos e halterofilismo. O uso em outras modalidades que exigem resistência, como futebol, não tem benefícios comprovados, afirma. "Os maiores riscos do uso indiscriminado são os problemas hepáticos e renais causados pela sobrecarga da substância", afirmou. "Porém, a expansão do uso no mercado legal pode ser melhor porque a creatina do mercado negro, muitas vezes, vem misturada com anabolizantes, piores para a saúde."
"O risco, pela literatura, é maior entre os que têm doenças renais na família", diz a nutricionista Lisia Kiehl, do curso de nutrição esportiva da Rede Desportiva de Ensino. O especialista em fisiologia humana érico Caperuto defende a segurança da substância. "Nenhum estudo comprovou que é prejudicial. O único efeito colateral é o ganho de peso", diz Caperuto, indicado para falar pela indústria do setor.
O ortopedista Paulo Muzy, especializado em fisiologia do exercício, defende um uso até mais amplo, por quem não é esportista profissional. Como praticante de fisioculturismo, Muzy também toma o remédio. "Mas o consumo deve ser orientado por profissionais", alerta.